Em Defesa Da Fé: Introdução À Epístola De Judas

Artigo do pastor Natalino Azevedo Oliveira, escrito em seu Mestrado Em Teologia Bíblica.

Resumo: Este artigo trata basicamente da apresentação dos principais aspectos históricos da epístola bíblica de Judas, fazendo uma breve análise do seu conteúdo e estrutura, ressaltando as suas grandes contribuições teológicas que ajudaram a defender a fé cristã bíblica nos primeiros anos do cristianismo.


A pesquisa é feita através de uma consulta a fontes bibliográficas e da verificação do texto bíblico. O artigo, primeiramente, discorre sobre a parte histórica do livro, que abrange sua autoria, data, lugar de composição, propósito, destinatário e situação canônica. Em seguida aborda, de forma breve, a estrutura da carta e seu conteúdo geral. E por fim, tratar das principais contribuições teológicas da epístola de Judas como a apresentação da divindade na pessoa de Deus, de Jesus e do Espírito Santo, discorre ainda sobre a angeologia, a salvação e a graça, os ímpios e o tema do juízo, enfatizando a importância dessa carta e de sua abordagem para a defesa da fé cristã bíblica.  


Principais Palavras: Epístola, Judas, defesa, fé, falsos, engano, mestres.

INTRODUÇÃO

Judas é um dos menores livros de toda a Bíblia, ele está dividido em vinte e cinco versículos em um capítulo. Menor do que a carta de Judas, somente os livros de Obadias com vinte e um versos, a terceira carta de João com quinze versos e segundo João que tem apenas treze versículos.  

Esta epístola, apesar de ter apenas um capítulo, trouxe e ainda traz importantes indagações. Sua autoria, data, destinatários e a sua semelhança com a segunda epístola de Pedro causam divergências a muitos estudiosos, no entanto, o que mais nos chamar atenção nesta pequena carta é a sua grande contribuição para a defesa de princípios bíblicos pregados pelo cristianismo. 

A teologia expressa pela carta de Judas tinha uma missão apologética, era uma defesa viva da fé que sofria ataque de supostos falsos mestres e ensinos. Este artigo tem por objetivo fazer uma introdução geral à epístola de Judas, ressaltando os seus aspectos históricos e suas principais contribuições teológicas, que fazem desta epístola um rico material apologético.

A pesquisa será feita através de consultas a fontes bibliográficas que abordam a epístola de Judas em seus variados aspectos e de informações do próprio texto bíblico. Discorreremos, primeiramente, sobre a parte histórica do livro, que abrange sua autoria, data, lugar de composição, propósito, destinatário e situação canônica. Em seguida abordaremos, de forma breve, a estrutura da carta e seu conteúdo geral. E por fim, trataremos de suas principais contribuições teológicas que ajudam a defesa da fé cristã bíblica.        

ASPECTOS HISTÓRICOS 

Autor

O autor refere-se a si mesmo como servo de Jesus e irmão de Tiago (v. 1), o primeiro nome citado na epistola é Judas. Este Judas não é o Iscariotes, e um dos argumentos é a data de composição da epístola. O nome Judas parece ser um nome comum, o texto bíblico faz referência a pelo menos seis “Judas”. Em Mateus 10:4 temos o mais famoso, o Judas Iscariotes, que traiu Jesus; em seguida em João 14:22 o Judas que é conhecido como o que  “não é o Iscariotes”. Mas adiante, em Atos 5:37 é mencionado por Gamaliel o nome de um revoltoso que já havia falecido chamado “Judas, o galileu”; ainda em Atos temos o Judas que acolheu Paulo em sua casa (At 9:11) e o Judas chamado Barsabás (At15:22). É por último, o Judas irmão de Tiago, José e Simão, os quais eram irmãos do Senhor Jesus (Mc 6:3). Aqui neste verso aparece à relação deste Judas com Tiago e Jesus, da mesma forma como ele se apresenta no primeiro verso da epístola.  

Sobre o fato dele se apresentar como servo de Jesus e irmão de Tiago, líder da igreja, alguns sugerem que isso contribuiu “para fazê-lo proeminente na igreja e dar-lhe o grau de autoridade refletida em sua epístola” (NICHOL,1984, p.139-140). No entanto, Simon J. Kistemarker (1995) menciona que nunca foi o desejo de Judas usar o seu relacionamento familiar para obter reconhecimento. Não sabemos qual eram as reais intenções de Judas ao mencionar seu parentesco com Jesus e Tiago, no entanto, percebemos que a postura de Judas na epístola impõe autoridade pela sua maneira firme em defender princípios de magnitudes eternas. Ele fala como um pai que quer defender os seus filhos dos perigos e como um servo de Jesus fiel a fé que lhe foi confiada.

Data e Lugar de Composição

Há provas bem aceitáveis de que Judas não é um livro dos primeiros anos do cristianismo. Judas fala da fé que alguma vez foi entregue aos santos (v 3). Esta maneira de apresentar o assunto leva o leitor ar visualizar aquele momento, a se infiltrar naquela época longínqua em que havia um corpo de fé (BARCLAY, 1983). Nos versículos 17 e 18 insiste a que se lembrem das palavras que haviam dito os apóstolos do Senhor Jesus Cristo. Tudo isto parece sugerir que no momento em que a carta foi escrita os apóstolos já tinham desaparecido, e que a Igreja buscava retornar à suas fontes originais. A atmosfera de Judas é a atmosfera de um livro que aponta para trás. 

Para Barclay (1983), 2 Pedro utiliza a Judas em muitas passagens, sendo isto ou não, nota-se que o segundo capítulo de 2 Pedro e Judas apresentam a mais estreita conexão possível. O autor ainda sugere que os dois escritores se apropriaram do trabalho do outro e o incorporou no seu próprio texto. Esta falta de certeza quanto às questões da semelhança entre as duas epístolas ocorre por causa da escassez de informação concreta quanto à data. 

Para Michael Green (1976), que embora apresente um bom ponto de vista não poder afirmar a data da composição, se Judas era um dos irmãos mais novos de Jesus, nascido provavelmente no ano 10 A.D. Ele deveria ter 71 anos de idade logo após primeiro ano de Imperador Domiciano (81-96 A.D). Por estes cálculos sua carta deve ter sido escrita em 80 A.D. quando ele tinha 70 anos. A recomendação do The Seventh-Day Adventist Bible Comentary (1980, p.141) é mais conservadora; afirma que “não é seguro afirmar quais das cartas foram escritas primeiro. Se foi escrita antes de 2 Pedro ela deve ter sido composta anteriormente a 67 A.D, o ano provável da morte de Pedro; se Judas seguiu a 2 Pedro, deve ter sido escrita entre os anos 70 e 85 A.D.”

Quanto ao lugar de composição, de todas as fontes bibliográficas consultadas, apenas uma se arrisca a indicar um lugar para a composição da carta; Champlim (2002, p.326) diz que: “se argumentarmos que a segunda epistolas de Pedro teve procedência romana, então seria razoável a suposição que a carta de Judas foi escrita ali”,entretanto, ele ainda apresenta outras sugestões sem apresentação de fontes. 

Propósito

A primeira intenção de Judas era falar da salvação oferecida por Deus(v 3).A preocupação de Judas tinha um grande fundamento: os gnósticos. Naquele momento, esses ensinos já assediavam a igreja. Eles consideravam a alma imortal, o corpo mal e a salvação baseada no conhecimento, qual, então, seria a razão de manter a crença da Salvação por meio da ressurreição? 
Levando em conta esses enganos, a maneira incisiva que Judas escreveu reflete sua preocupação com a fé dos seus destinatários. Na carta Judas tinha a clara intenção de resguardar os crentes destes falsos mestres que começavam a infiltrar-se na Igreja cristã disseminando perigosos preceitos, fazendo com que o cristianismo fosse reduzido a uma fé apenas nominal, tornando-se uma mera profissão exterior do Evangelho (HENRY, 1995).

Destinatários

Pode-se afirmar que o livro de Judas foi escrito para judeus convertidos ao cristianismo. Sua mensagem é a de um pastor que tinha uma grande responsabilidade e considerarão pelos conversos. Uma boa evidência que os destinatários eram judeus é a familiaridade com a literatura e tradição judaica. Judas comenta sobre Adão, Moisés, Anjo Miguel, Balaão, Corá, Caim; descreve sobre os anjos caídos, a libertação do Egito, Sodoma e Gomorra. Conclui-se que a heresia contra a qual escreve Judas é o gnosticismo (VIELHAUER, 2005). Um risco que o gnosticismo trazia para judeus novos convertidos era passar para um extremo de libertinagem, uma vez que eles viviam de modo rígido, sob a lei. Para Richard J. Bauckhan (1983),o antinomianismo gnóstico era grande perigo que circundava muito mais os crentes judeus, preocupados com um Decálogo. Para ele, se fosse uma comunidade de crentes gentílicos não teria tanta ênfase de Judas. Assim ele, argumenta que esse seria um forte argumento quanto aos destinatários da epístola.

Situação Canônica

O livro de Judas é considerado um dos menos confirmados pela literatura patrística, sendo ignorados por alguns como Policarpo, Irineu e Inácio e citados e aceitos por outros como Tertuliano, Clemente de Alexandria e Orígenes. 

A primeira referência à carta de Judas por nome se encontra no cânon Muratoriano A.D 175(KISTEMAKER,1995). Entretanto, essa citação serve mais para reforçar a idéia de que o livro não era aceito como canônico por partes da igreja cristã no segundo século.  Mas apesar de toda a desconfiança com relação a essa carta, ela foi aceita  na lista de escritos canônicos no concílio de Cartago (A.D 197).

Eusébio,340 A.D, a considera uma epístola falsa, alegando que poucos pais da igreja a mencionaram por nome, chegando até a chamá-la de carta  “espúria”, ou então de “disputada” (CHAMPLIM, 2002). Entretanto, outro grande pai da igreja, Atanásio (A.D 367), incluiu Judas sem nenhuma dúvida em seu cânon. A lista de Atanásio foi primeira lista a incluir os vinte e sete livros existentes hoje no Novo Testamento. Jerônimo também foi outro que admitiu a carta de Judas no cânon  considerando-a autêntica. Somente no fim do século IV A.D  é que parte da igreja veio a aceitar a epístola de Judas, sendo ela ainda hoje colocada em dúvida por muitos estudiosos. 

Grande parte da desconfiança com relação à carta de Judas se dá por causa do uso feito pelo autor dos livros apócrifos. Judas cita o Livro de Enoque 1:9 no v. 5 quase que literalmente e no v. 14 chama Enoque “o sétimo depois de Adão” descrição esta que ocorre em Enoque 40:8; e ainda existe muita coisa usada por Judas na descrição que ele fez dos anjos caídos nos versos 6 e 13. Judas também cita o livro de Assunção de Moisés no v. 9, que faz uma referência à disputa de Miguel e Satanás pelo corpo de Moisés, e provavelmente ele usa outros livros apócrifos, como o Testamento de Naftali, no v. 6, e o Testamento de Aser, no v. 8(GREEN, 1968).

Em favor de Judas temos a citação feita por Paulo, o maior escritor neotestamentário; Paulo faz alusão ao midraxe rabínico sobre a Rocha em I Coríntios 10:4; em 2 Timóteo 3:8 somos informados que Janes e Jambres eram mágicos que desafiaram Moisés diante de Faraó, trecho de haggadah baseado em Êxodo 7:11 e achado em vários escritos extracanônicos, semelhante a citação dos anjos que dar a lei em Galátas 13:19; Hebreus 2:2 e as declarações em atos 7:22 e  Tiago 5:17, referindo-se todas a literatura apócrifa. Sem contar o uso que Paulo faz de escritores pagãos em atos 17:18; I Coríntios 15:32 e Tito 1:12. Provando que não devemos supor que os autores inspirados estão isentos de usar literatura extracanônica ou que por causa disso os seus escritos deixam de ser inspirados, pois o Espírito não somente inspirou a mente dos autores, mas os guiou na seleção de textos conhecidos para reforçar uma verdade.  

ESTRUTURA E CONTEÚDO GERAL 

A carta de Judas está, basicamente, dividida em três partes, a primeira parte se refere aos motivos que levou Judas a escrever a carta; a segunda parte são as advertências feitas pelo servo do Senhor contra os falsos mestres que estavam causando uma grande agitação entre os irmãos daquela região. E a terceira parte é uma espécie de exortação para que seus ouvintes tenham força, perseverança e resistam às más influências. A seguir temos um esboço do livro que demonstra  de forma clara esta divisão, adaptado do esboço apresentado por David S. Dockery (2001, p.831).


I. PRIMEIRA PARTE
a. Saudação – v.1-2 
b. O Motivo da epístola – v. 3-4
II. A Descrição dos falsos mestres – v. 5-16 
III. A Resistência aos falsos mestres – v. 17-23 
a. Doxologia – v. 24-25


Logo no início da epístola, o apóstolo chama os seus leitores “... a batalhar, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos (v. 3)”.  Esta fé, segundo o escritor, está sendo ameaçada por  “...homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de Deus e negam o nosso único e soberano Senhor Jesus Cristo(v. 4)”. Combatendo essas pessoas ele cita três exemplos históricos de castigos: a destruição do grupo descrente que saiu do Egito, mas que não queria entrar na terra prometida (v. 5); os anjos “que não guardam o seu estado original” (v. 6); e por fim as cidades de Sodoma e Gomorra destruídas por Deus (v. 7). Afirma, portanto, que tais exemplos receberam o castigo de Deus por terem persistido na desobediência. 

Judas faz um paralelo desses exemplos históricos com esses apóstolos destacados por ele e marcados na epístola pelo pronome “este” (8,10,12,14,16 e 19), que são semelhantes a outros três grandes rebeldes do Pentateuco: Caim (Gn. 4:3-8), Balaão (Nm 22:1-35) e Corá (Nm 16:1-35).

Depois dessas denúncias contra os mestres apóstatas, o apóstolo volta-se para os seus ouvintes exortando-os para que se lembrem das palavras de Cristo ditas por seus apóstolos (v. 17) “...edificando-os na fé (v. 20)”, guardando “...o amor de Deus (v. 21)”, “compadecendo dos que tem dúvida (v. 22)” para que sejam “...salvos da morte eterna (v. 23)”. 

Uma das curiosidades desta pequena epístola é a sua atração pelas tríades de pensamento, como bem observou Merrill C. Tenney; segundo ele, o livro de Judas,

Tem seis seções principais dispostas em três pares: as primeiras duas apresentam o pensamento; as segundas duas discutem a apostasia; e as duas últimas apresentam a conclusão. O autor descreveu-se a si próprio de três formas: o seu nome próprio, Judas; a sua função, servo de Jesus Cristo; a sua relação com a comunidade cristã: o irmão de Tiago. Saúda os seus leitores chamando-lhes “chamados”, “queridos” e “conservadores”, e na sua saudação deseja-lhes misericórdia, paz e amor. Há muitos outros grupos de três que o autor emprega. Provavelmente, não tem qualquer significado especial, a não ser o de assinalar uma característica mental do autor (TENNEY, 1972, p. 393).


CONTRIBUIÇÕES TEOLÓGICAS

A preocupação de Judas em sua epístola era “combater um tipo de Antinomismo que pode ter tido sua origem em interpretações equivocadas do ensino paulino sobre a liberdade do cristão em relação à lei de Moises.” (SIEPIERSKI, 1997, p.75,76). Os falsos pastores que ensinavam estas heresias rejeitavam toda autoridade moral da lei de Moises e de Jesus, muito embora se declarassem seguidores de Cristo. Eles faziam parte de um “grupo de carismáticos itinerantes que tinha chegado à igreja dos destinatários de Judas”(BAUCKHAM,1983, p.11). À medida que Judas se propõe desmascarar estas heresias sua teologia vai sendo revelada. 

É sugerido que o autor da Epístola se utiliza de um estilo apocalíptico para transmitir sua teologia. Defende-se, também, que Judas “recorre à profecia apostólica para explicar o surgimento desses falsos mestres nos últimos tempos e anunciar o juízo escatológico sobre eles” (SIEPIERSKI, 1997, p.76).

A Divindade

O livro de Judas é claro em apresentar a divindade em três pessoas distintas. Em sua concepção fica claro os papeis e as funções desempenhadas pelas pessoas da divindade. Deus como a autoridade total do universo (v.25); Jesus como nosso Senhor (v.4) e o Espírito como guia e edificador da Fé do crente (v.19,20).

No tempo de Judas era necessária uma compreensão e uma explanação correta da divindade. A igreja estava sendo invadida por falsos mestres que viviam de uma maneira dissoluta.  Eles misturavam a verdade com o erro, uma espécie de gnosticismo incipiente que negava a “Divindade de Deus e o Senhorio de Jesus” (GREEN, 1983, p.155).  O pensamento de Judas estava voltado para o fortalecimento da fé cristã a crença correta na divindade. Doutrinando a igreja, ele eliminaria os ensinos dos falsos mestres e suas doutrinas gnósticas.

Deus

É apresentado como Aquele que ama seus filhos (v. 2 e 21); como doador da graça (4). Para Miguel é Deus quem repreender Satanás (v.9); Ele é poderoso para nos impedir de cair (v.24); é o único Deus, nosso Salvador ao qual temos que reconhecer sua gloria, majestade, poder e autoridade (v.25).

Para Judas, o Deus do Antigo Testamento e do Novo Testamento sempre foi o mesmo, um Deus de amor, contrário ao que afirma o gnosticismo. Seja no passado, presente e futuro, Deus não muda. Esta era a compreensão judaica que já tinha sido expressa pelo profeta Malaquias (Ml 3:6) Quando afirma: “Porque eu, o SENHOR, e não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos.”

O autor da epístola tem a convicção que quando Deus chama os pecadores para vir a Ele, através de Jesus Cristo, expressa-lhes o seu amor como o de um pai e, torna os pecadores membros da família e da casa de Deus (KISTEMAKER, 1995).  Tão logo aceitamos o chamado de Deus logo experimentamos seu amor; contudo precisamos permanecer na esfera de seu amor e permitir que este poder trabalhe efetivamente e continuamente em nossas vidas (REICKE, 1964).

Em toda teologia de Judas, Deus é capaz de nos manter firmes contra as tentações, de executar o juízo sobre o diabo e seus anjos. Entretanto é em sua doxologia que o autor enfatiza, contrariando toda autoridade política sobre a terra, que “Deus é o único de eternidade a eternidade, tem toda gloria, majestade, poder, e autoridade” (REICKE, 1964, p.217). 

Jesus

Judas O apresenta como Aquele que nos guarda (v.2); é Soberano e Senhor (v.4); o Senhor que libertou os israelitas do Egito  (v.5); o arcanjo Miguel (v.9); o “Senhor que vem com milhares de milhares dos seus santos”, Juiz (v.14,15); como o Senhor dos apóstolos (v.17); Aquele que virá buscar, mediante a sua misericórdia, aqueles que esperam ser levados para vida eterna (v.21); é nosso Senhor antes de todas as coisas e para todo sempre e Aquele por quem Deus manifesta sua glória, majestade, poder e autoridade (v.25).

Sobre Jesus, Judas confirma, em primeiro plano, o Senhorio de Jesus do qual ele mesmo se considera servo. Jesus também é apresentado como a Agente de Deus na execução de Seus planos. Apesar de alguns autores reconhecerem o título de Soberano atribuído apenas a Deus, no verso 4 Judas atribui a Jesus o título de “único Soberano e Senhor”, ressaltando que “não podemos ter nenhum outro mestre alem de Jesus” (KISTEMAKER, 1995, p.374). Em Sua divindade o autor da epístola apresenta Deus e Jesus na mesma posição, horizontal, diferente de nós que estamos em uma posição vertical para com Deus.

É interessante que em sua teologia Judas mostra Jesus como: Divino, contrariando as idéias do gnosticismo. Os ensinos gnósticos diziam que Jesus era “um mero homem que o espírito divino desceu na ocasião do seu batismo, mas que partiu antes da crucificação” (GREEN, 1983, p.155).

Outro atributo de Jesus é como Senhor daqueles que crêem nEle (v.1) e  Senhor dos anjos, o apresentando como o Arcanjo Miguel (v.9).  Quanto a este último título, a maiorias dos autores, apresentam uma uniformidade quanto a quem é Miguel. Eles acreditam que Miguel é um anjo, chefe do exercito dos anjos. No entanto, “Miguel é um dos nomes de Cristo, não como anjo principal mas como o governantedos anjos”, pois, o significado da palavra hebraica para Miguel significa “aquele que é como Deus” e o único que é como Deus é o próprio Deus (NICHOL, 1980, p.706). Judas se refere ao arcanjo o relacionando com 1Tessalonicense 4:16 “a vós do arcanjo”com a “ressurreição dos santos por ocasião da Segunda vinda de Jesus Cristo” e parafraseia com João 5:28 na declaração de que os morto ressuscitariam quando ouvirem a voz do Filho do Homem ao ouvir sua voz (NICHOL, 1980, p.802).

O Espírito Santo

Ele é apresentado como guia em contraste com aqueles que “seguem a tendência da própria alma”, sendo assim, rejeitam o Espírito Santo e não O tem (v.19); Judas, ainda, faz a colocação que o Espírito Santo é capaz de edificar a fé do crente e , por isso, estes devem orar no Espírito (v.20).   
A frase ‘orar no Espírito’ na literatura cristã primitiva significa ‘no controle do Espírito’ ou ‘sob controle do Espírito” (BAUCKHAM, 1983, p.113). Quem deveria controlar a vida e oração do cristão deve ser o Espírito.  Além de guia e edificador da nossa fé, o Espírito Santo é aquele que intercede por nós segundo Paulo (Rm 8:26) e somente Ele toma nossa fraca oração aceitável a Deus.

Anjos

Os versos 5, 9, 14, 15 tratam do que pode se chamar da Angeologia em Judas.  A epístola de Judas dá uma boa base para a Angeologia.  Para Judas existe um grande conflito em andamento. Forças do mau e forças do bem que agem no mundo. Na sua epístola ele confirma a existência de anjos maus e de Satanás, que estão aguardando o momento da destruição no julgamento final. Ao mesmo tempo anuncia este evento que terá a participação dos anjos celestiais. 

A Salvação e Graça

É o tema que o autor da epístola está ansioso por escrever (v.3) sendo que para ele Deus é o próprio Salvador mediante Jesus (v.25). A graça é transformada em libertinagem por negarem a Jesus (v.4).

A salvação se manifesta pela graça de Deus. Esta teologia estava bem clara na mente de Judas. A salvação vem de Deus por meio de Jesus. O problema estava nos falsos mestres que estavam deturpando este ensino. Envoltos no manto do gnosticismo, negavam a Jesus como Messias, embora se declarassem cristãos. Foi por isso que uma visão mais ampla sobre a salvação era necessária nos tempos de Judas.

Segundo o The Biblical Illustrator (1977, p.12) “A salvação é adaptada a todos. Isto atende o caso do homem, fornecendo uma expiação do pecado, uma justiça justificadora e o Espírito Santo, para renovar e santificar.” 


Judas apresenta a fé (v.3) como crença concreta, que os santos devem lutar por defendê-la. Para ele, a fé foi confiada a nós (por Deus), esse é o motivo que insiste aos cristãos para que a defenda. Ele recomenda que os seguidores de Cristo devem se edificarem sobre a santíssima fé, orando no Espírito Santo (v.20).
Este é outro ponto importante na explanação de Judas. A compreensão sobre a fé como fundamento é um escudo contra os dardos inflamados do maligno. Naquele momento a fé era “uma defesa contra os enganadores que estavam ativos em destruir sua própria vida espiritual”, a base da fé é, “tudo que a igreja ensina a respeito de Cristo.” O autor da nossa fé é o próprio Jesus (Hb 12:2). “Todo que é nascido de Deus vence o mundo, e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1 João 5:4) (NICHOL, 1980, p.709,710). 

Ímpios

Sobre estes, grandes parte da carta é dedicada. Judas se refere eles como; homens sentenciados há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente, transformaram a graça de Deus em libertinagem e negam o senhorio de Jesus (v.4); apóstatas (v.5); serão destruídos (v.5-7,11); difamadores (v.10); rochas submersas, que comem de maneira desonrosa, pastores que só cuidam de si mesmos, nuvens sem águas impelidas pelo vento, arvores de outono, sem fruto, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz (v.12); São ondas bravias, espumando seus próprios atos vergonhosos, estrelas errantes, reservados para as trevas (v.13); serão julgados e convencidos, por ocasião da volta de Jesus, de todas impiedades cometidas e as palavras insolentes pronunciadas contra Jesus (v.15); são queixosos, descontentes, seguem seus desejos impuros, cheios de si, adulam os outros por interesse (v.16); zombadores que seguem seus próprios desejos íntimos (v.18); causam divisão, seguem a própria alma (v.19). 

É a parte que Judas mais se propõe a comentar. Existe uma gama de adjetivos negativos que ele atribui aos supostos falsos mestres. Considerando que esses falsos mestres eram culpados de negação prática de sua fé pela forma que eles viviam e provavelmente também uma negação teórica de Divindade de Cristo e seu Senhorio (GREEN, 1983). Deste modo a epístola enviada por Judas serviria como uma vacina para proteger os membros destes falsos mestres com suas heresias.   

Juízo

O tema do Juízo é muito presente na epístola. Fala de ímpios cuja condenação já está sentenciada (v.4); anjos que estão esperando dia do juízo (v.6); o exemplo do juízo que caiu sobre as cidades de Sodoma e Gomorra (v.7); o dia do juízo que está reservado para Satanás (v.9); a vinda de Jesus como parte do julgamento dos ímpios (v.14,15); a luta do cristão em salvar os duvidosos do fogo vindouro (v.23).

Além de relevante, este tema é tratado de forma abundante na Epístola. A própria Bíblia é repleta de menções sobre os juízos de Deus. Sendo que Judas faz referência a momentos de juízos de Deus que ocorreram na história do mundo e os que ainda vão ocorrer: a destruição dos incrédulos, a destruição de Sodoma e Gomorra, a futura destruição dos ímpios e dos anjos no momento do Juízo final. 

Um contraste marcante na epístola se refere ao grande contraste entre a maneira que o juízo de Deus vem sobre os injustos. Apesar dos comentaristas não sistematizarem a teologia do juízo presente em Judas é evidente a importância deste assunto para a compreensão escatológica da maneira que Deus vai encerrar com o drama do pecado e trazer a vida eterna aos seus queridos. 

Embora Paulo tenha mencionado, em sua segunda epístola direcionada a Timóteo (3:1-9), a condição moral do mundo nos últimos dias, Judas reforça esta ideia e vai além, mostrando que esses ímpios já estão atuando. Entretanto, ele nos alerta quanto à maneira que temos que lidar com os duvidosos. Para ele, nós precisamos nos compadecer deles para salvá-los do fogo e prepará-los para vida eterna que será dada por Jesus. 

Conclusão

A relevância da epístola é inquestionável. Foi útil tanto no passado quanto tem sido no presente. Apresenta uma advertência contra os enganos que minam a fé cristã e é endereçada a todo fiel seguidor de Jesus. Embora a epístola apresente algumas interrogações que tem sido motivo de especulações e disputa ao longo dos tempos, com respeito a seus aspectos históricos e a uso de fontes extrabíblica, ela tem cumprido o seu papel principal: fortalecer a fé do povo de Deus, através de uma abordagem clara e vibrante dos principais princípios da fé cristã enraizada na Bíblia. 

A epístola também nos leva a concluir que aqueles que buscam viver de acordo com os princípios puros da fé cristã, são hoje os herdeiros da luta, em defesa desta fé, que Judas trava em sua carta. E como herdeiros desta causa, temos na carta de Judas, um material riquíssimo não apenas para o fortalecimento de nossa fé, mas, sobretudo para combate a uma possível adulteração da mesma.    

Referências 

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BAUCKHAM, Richard J. Word Biblical commentary, Jude, 2 Peter, Volume 50, Waco: Word Books, 1983.

CHAMPLIM, Russell Norman. Novo Testamento Interpretado Versículo por versículo, Vol 6, São Paulo: Editora Hagnos, 2002.

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GREEN, Michael.  Tyndale New Testament Commentaries, The Second Epistle of Peter and the epistle of Jude, An introduction and Commentary, Grand Rapids: Wm. B. Eardmans Publishing Company, 1976.

_______________II Pedro e Judas – Introdução e comentário, São Paulo: Sociedade Religiosa edições Vida Nova, 1968.

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KISTEMAKER, Simon J., New Testament Commentary, James, Epístles of John, Peter, and Jude, Grand Rapids; Baker Books, 1995.

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__________________Introdução as Epístolas, São Paulo: Seminário Latino-Americano de Teologia, 1984.

REICKE,  The Anchor Bible , The epistles of James, peter, and Jude,Garden City: Doubleday & Company, 1964.

SIEPIERSKI, Paulo. Em Diálogo com a Bíblia, 2 Pedro e Judas, Curitiba: Encontrão Editora, 1997.

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