Peregrinos e Forasteiros

Por Rubens Lessa
Editor da Revista Adventista


Quando meu avô Francisco saiu do Nordeste em busca de um lugar tranqüilo para trabalhar e viver, não tinha idéia das dificuldades que enfrentaria ao longo da viagem. A fuga ocorreu há oito décadas, devido a uma seca persistente e às ameaças de morte por parte de um coronel do sertão. Francisco e a família viajaram a pé quase dois meses, rumo ao estado de Goiás, onde aceitaram a mensagem adventista do sétimo dia.

Em meus tempos de  menino, gostava de ouvir histórias dessa penosa viagem, durante a qual os retirantes se acampavam inúmeras vezes, quase sempre à beira de um córrego ou rio, para recuperar as energias físicas. Em cada lugar montaram uma tenda provisória.

Ao relembrar esses fatos vem-me à mente a galeria dos heróis de Hebreus 11, os quais confessaram “que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (v.13). Na opinião de seus contemporâneos, não souberam tirar o melhor proveito da vida, tendo sido considerados “homens dos quais o mundo não era digno (v.38). Contudo, eles perseveraram na jornada, aspirando à posse da “cidade que tem fundamentos” (v.10). A trajetória desses homens e mulheres de fé serve de exemplo e advertência para o povo de Deus hoje.

Lamentavelmente nossa igreja corre o risco de deixar de ser peregrina para ser uma igreja instalada. O indício de uma igreja instalada é sua semelhança com o mundo. Por exemplo: uso de roupas que despertam a concupiscência dos olhos; apego às coisas que denotam luxo, ostentação e extravagância; paixão pelos esportes; linguagem banal e pueril; amor ao dinheiro, com requintes de usura e egoísmo; ambição de poder; uso de métodos humanos em lugar de métodos divinos no cumprimento da missão; espírito de independência; orgulho por títulos acadêmicos; valorização da aparência e não do conteúdo; falta do senso de urgência quanto às coisas espirituais e não desejar que Jesus volte logo.

Se você estiver nessa condição, ouça o conselho divino: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo [...] Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (I João 2:15, 17).

Reflita na seguinte advertência de Ellen G. White: “Jesus está para vir; encontrará Ele um povo em harmonia com o mundo?” (Testemunhos para igreja V.1,p. 133).

Se não abandonarmos as coisas terrenas, o reavivamento e a reforma prometidos por Deus não vão ocorrer em nossa vida. Outros serão reavivados, mas nos continuaremos como ossos secos! Desse modo, não resistiremos à sacudidura, que já começou. Muitas estrelas da igreja estão sendo peneiradas, pois não constituem trigo, mas joio, que é sinônimo de mundanismo. 

Pensemos, agora, nas características de uma igreja peregrina: desapego às coisas deste mundo; espírito de colaboração nas atividades da igreja; prioridade para as coisas que são do alto; profundo interesse pela salvação dos que jazem nas trevas do pecado; senso de urgência na pregação do evangelho; busca da satisfação por meio da graça de Cristo; desejo sincero pela volta de Jesus.

Você e eu conhecemos muito bem o coro deste hino: “Sou peregrino e forasteiro, uma noite aqui demoro e nada mais” (HA,334).

Será que esse hino é mera fantasia em nossa mente ou desejamos, de fato, que nossa peregrinação termine logo nesse mundo? Onde está o nosso coração: Nas coisas celestiais ou nas trivialidades desse planeta que agoniza?

Num dos cultos de sexta-feira, em 1954, no então Colégio Adventista Brasileiro, fiquei emocionado ao ouvir alunos e professores cantarem: “À terra nós vamos dos fiéis e dos santos, país de glória infinda, de bênçãos e luz.” Houve um momento em que parei de cantar para ouvir a bela voz de um estudante sentado na poltrona de trás. Era Rubem Dias.  Mas no céu, quero cantar outro hino com ele e com você: “aqui chegamos pela fé.”